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Mostrando postagens de março, 2021

Gancho de Esquerda

 Eu olho para seus pés tentando desvendar o próximo golpe, mas ele muito rápido. Assim que abaixo um pouco a guarda, ele me acerta em cheio no queixo com seu poderoso gancho de esquerda. Caio no chão nocauteado ouvindo o toque do meu despertador dizendo que são meio-dia. Giro no tatame abraçando os travesseiros, eles fedem a suor e a café. Meu adversário se mantém de pé a minha frente com seu corpo definido sem nenhum um arranhão e com os olhos queimando de empolgação e motivação. Eu por vez estou aos frangalhos, sem força de escovar os dentes ou levantar da cama que mantem minha silhueta. Eu ouço ao fundo da multidão que aplaude meu adversário, alguém chamar meu nome ou é um miado, eu não sei mais. Mesmo jogando a toalha todos os dias, meu adversário não para de me bater até eu cair no chão com os olhos vermelhos e vazios contemplando a escuridão. Não é perder que me faz sentir assim, estou acostumado com a derrota, mas a dor que meu diabo causa. Eu só quero poder fazer a dor parar, e

Jacarés

 - É hoje. - Falou João para Lucas. - Finalmente meu filho vai se casar. - É papai nem dormi direito. - Lucas penteou os cabelos cacheados para baixo tentando arruma-lo. - Me deu uma dor de barriga. - Sossega filho, agora é só ladeira baixo. - Brincou o pai que levou um tapa de advertência de Marta. - Estou só brincando querida. - Quer dizer que te levei ladeira abaixo? - Acusou com as mãos nas cadeiras. - Lucas coma umas maçãs e não beba leite que tua barriga já melhora. - Sim senhora. - Lucas olhou para o relógio que se demorava a passar. - Mãe será que isso vai dar certo? - Esfregou as mãos preocupado. - Magnólia é demais para mim. - Pare de ser bobo. - Acalmou o filho com um beijo na testa. - Você é o menino mais inteligente da nossa cidade. - Da cidade? - Indagou o João rindo. - O menino inventou um robô que entra no corpo e cura todas doenças e regenera os órgãos. Da cidade. - Riu o pai. - Ele é o mais inteligente do império, quiça do continente. - Não é algo tão grande assim. -

Dia de Cão

 Acordei com o pé esquerdo. Minha mãe gritava com meu pai sobre alguma conta que estava atrasada e não podia se pagar com o cartão ou com sua cara  lavada. Derrubei o espelho. Vesti o uniforme mais rápido que pude e ao morder meu pão percebi que no lugar  da manteiga havia banha de porco e requeijão. A minha camisa estava ao avesso. Passei na rua correndo o que fez todos os cachorros começarem a latir e a me seguir. Corri mais rápido e quando olhei para trás para conferir se algum ainda me seguia topei no poste velho meu nariz. Passei debaixo de uma escada. Durante a aula xadrez abaixei para pegar uma peça a e minha calça rasgou de uma só vez. Uma coruja piou. Peguei minhas coisas e corri para casa evitando tudo e todos, mas do alto fui feito de alvo, meleca branca escorria pela costa quando desviei do gato preto pisei em uma mole bosta. Andei para trás. No portão de casa a chave quebrou e minha mãe de dentro do meu ouvido gritou. - Acorda filho que o galo cantou.

Espinho Maldito

Com seu irmão bastardo desmaiado em seus braços e ao longe vendo seu reino ser queimado Guntar sepultou todos seus sonhos de cavaleiros e os substituiu por vingança e sangue. Depois de dias vagando pela floresta que fora seu reino encontram Marreta Forte e sua filha Layla. Juntos os últimos da casa Espinho de Fogo e os ferreiros se acomodaram na vila mais próxima chamada Skrongar.  Anos de treinamentos, trabalhos e dor seguiram Guntar e Sussurros. Os dois irmãos usavam suas armas opostas para ganharem força e respeito. Guntar mais forte que a bigorna que aprendeu a martelar a perfeição e Sussurros mais sagaz que qualquer livro que leu. Guntar conhecia as armas assim como mexia seus dedos e Sussurros mudava as mentes dos homens assim como trocava de roupas. Os dois antes de se tornarem homens feitos eram temidos por velhos barbados e por assassinos experientes. Em um dia péssimo de caça encontram uma garota desmemoriada e maltrapilha usando as cores do cruel rei Agenor. Sussurros com se

A Menina dos Olhos Vermelhos

 Todos os dias eu a via com sua calça moletom larga preta e camisa cinza com mangas alaranjadas. Sua bolsa era um jeans esverdeado cheio de bottons e chaveiros. Por algum motivo sempre que o ônibus descia uma ladeira ingrime ela apertava, meio inconsciente acredito eu, o chaveiro que parecia um pato azul de borracha.  As pessoas pareciam ignora-lá assim com faziam comigo. Quase ninguém sentava do seu lado, assim como bem poucos falavam com ela. Nisso ela era melhor do que eu, pois ninguém falava comigo, as vezes, tinha a sensação de que era invisível ou um fantasma. Ela sentava de segunda a sexta no banco alto no meio do ônibus virada para janela. Quase não se mexia e se não fosse pelo seu reflexo que denunciava suas longas piscadas poderia dizer que estava morta, ou algo perto disso. Seus cabelos pareciam uma representação perfeita de uma noite sem estrelas e lua. Sua pele parecia ouro derretido no centro do Sol.  Nem mesmo Pandora poderia ser tão perfeita e nem Medusa teria olhos tão

Sete Vidas

 Não há nada que me irrite mais do que me acordarem de um longo e gostoso sono.  É claro que crianças, adolescentes, adultos e idosos também me irritam, exceto quando são uteis.  Cachorros irritam também e água é mó chatão.  Ter que dar atenção para os humanos é uma canseira sem fim, eles são tão carentes. Para alegra-los permito que me façam coisas, como trocar a minha caixa de areia, fazer minha comida e passar a mão em minha barriga, com cuidado é claro. Eu os salvo de alguns demônios e fantasmas, e até deixo comida para eles como ratos e passarinhos, mas são tão exigentes que jogam fora. Só faço minha parte. Como tenho um senso de moda refinado vivo arrumando as coisas. Eles não entendem que vidro, quadros e outros objetos que colocam na estante tem que ficar no chão para que eu ande no alto.  Eu sou muito calmo, mas fico louco e, confesso, até insano quando vejo o Pontinho. O Pontinho é meu rival por eras, sempre que acho que peguei, ele foge entre minhas patas. Não posso reclamar

Pingado com Deus

  Um moço encontra Deus em uma padaria no final da esquina. O moço corre furioso em sua direção e diz. - Como o senhor pôde deixar a minha vida se tornar uma merda? Deus sorri e toma um longo gole de café quente embaçando as lentes do óculos com armação quadrada. - Deixando. - Deus responde sem olhar para o moço enquanto passa manteiga no pão sorrindo. - Mas me diga uma coisa, quem mora nesse planeta? O moço irritado com a veia saltando da testa responde ríspido. - Os humanos, que pergunta idiota. Os homens que te amam tanto e sofrem por sua causa e do diabo. Deus preenche o pão com presunto e mussarela enroladinhos em forma de canudos. - Interessante. - Deus dá uma mordida saboreando o seu sanduiche. - Sabia que segundo Jung os homens projetam sua culpa no outro? - Deus coloca seu sanduiche sobre a mesa ao lado do seu tablet e de uma HQ de Solomon- Amaldiçoado Seja e sorri. - Não que o diabo seja inocente, mas só está fazendo o trabalho dele. Moço treme de raiva se segurando o

Jerrmiah, o inútil

 Lembro-me da época que era útil. Andava por todos os lados unindo as coisas e sempre ajudando a manter todos próximos. Não havia um dia que não fazia dois se tornarem um, ou até dez se tornarem um. Esse era meu propósito; unir.  Haviam outras funções que com criatividade fazia, como abrir portas, recarregar celulares e outras tantas. Ah, como eu era feliz. Já parou para pensar como seria sua vida sem aquilo que te faz ser quem você é? Um professor que não pode mais ensinar, um músico que não pode mais tocar ou uma mãe que perde seu filho, são exemplos de perca de propósito. E assim estou eu; inútil. O engraçado é que bastou um único dia de merda para que toda a minha vida ficasse sem propósito.  Eu cai do bolso da calça de Deus e fui chutado para debaixo da cômoda do universo.  O tempo foi passando eu me enganava que me curaria, mas na verdade ele só fez a tristeza junto com a poeira crescer ao meu redor. A vassoura da Deusa passou perto de mim várias vezes, mas nunca a vassoura chega

Uma Visão Além do Seu Tempo

 - Por mil diabos Napoleão. - Gritou Alberto derrubando gelatina em seu amigo. - Eu acabei de ter uma visão além do meu tempo. Napoleão encarou o amigo que tinha seus surtos de ' eureca!' a cada dois dias e já sabia o que viria a seguir. - Eureca! - Exclamou Alberto. - Como ninguém pensou nisso antes, essa ideia vai ajudar muitas pessoas. - O senhor bagunçou o cabelo para cima e tirou a língua para fora umidificando os lábios. - O que você ainda faz parado com essa mão entre os botões da camisa, meu amigo francês? Corre chamar Cézar e a Elizabeth. - Alberto olhou para os lados procurando algo que ele não se lembrava mais. - Aonde foi parar meus... - Ele se virou para o amigo. - Corre diabo, vai, chame também o Adolfo, ele vai adorar essa ideia, talvez até me patrocine. Napoleão sorriu para Alberto e saiu correndo do refeitório. Passou por vários jovens usando a moda atual, roupas brancas iguais. Isso era um absurdo em sua cabeça, não bastava usarem roupas de cores iguais, tinha

Goblim e a Escada de Gelo

 Em certo dia perto do começo e longe do fim do ano.  Um pequeno goblim se deparou com uma grande escada de gelo com degraus tão altos que passavam em muito o seu tamanho.  Ele tentou subir de todas as formas possíveis, mas não conseguiu. Desolado juntou suas mãozinhas e orou. Mas ele não sabia bem pra quem orar.  O Pai era severo e ficaria desapontado por ele não conseguir subir em uma simples escada. O Mago era o ajudador daqueles que buscavam o conhecimento e nunca desistiam e o pequeno goblim já havia desistido e mal sabia escrever seu nome. Por fim chorou novamente se sentindo inútil e fracassado.  Raios de sol iluminaram seu rosto criando arco-íris com suas lagrimas, assim se lembrou da Deusa Mãe e orou: - Grande Mãe, eu sou pequeno, tão pequeno que não consigo subir essa escada, já tentei de todas as formas que podia e não fui capaz, mas se a Senhora me ajudar conseguirei. A Grande Mãe Sol riu ilumindando toda a escuridão de sua alma e depois chorou tornando o céu negro pois o p